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Santana do Mundaú: A Cidade dos Universitários

Atualizado: 15 de abr. de 2021

O crescente número de universitários de Santana do Mundaú nos últimos

cinco anos vem sendo destaque entre municípios do interior do estado


REPORTAGEM ESCRITA POR THIAGO AQUINO EM 2015. (De lá pra cá, muita coisa mudou, inclusive a trajetória da maioria dos personagens da matéria, mas a essência se mantém: a força e a coragem dos mundauenses).

Rosana Vitorino foi aprovada no vestibular e iniciou sua vida acadêmica em 2013 na Uneal

O ano era 2012 quando a direção da Escola Estadual Manoel de Matos, na cidade de Santana do Mundaú, se surpreendeu com o ingresso de 36 estudantes no ensino superior. Número que pode parecer pequeno, mas grande diante da realidade de um município que sobrevive apenas da agricultura, do serviço público e com pouco mais de 11 mil habitantes, além de ter sofrido há 5 anos com a maior tragédia de sua história, a enchente de 2010. A única escola com ensino médio na cidade foi destaque nos meios de comunicação e levou o Prêmio Gestão Escolar pela história de superação.


“Costumo dizer que 2010 foi o divisor de águas, porque, diante de uma tragédia, os alunos mudaram a realidade de Santana do Mundaú, ganhando em 2012 o título na nossa região de ‘cidade dos universitários’”, comentou a diretora da escola, Quitéria Alves Calado.


Além dos problemas que a cidade enfrentava com os reflexos da cheia do Rio Mundaú, a deficiência na educação, a falta de estímulo e até de transporte para Maceió não permitiam que alunos da Manoel de Matos sonhassem com o ensino superior.


Com o crescente número de universitários, a prefeitura disponibilizou um ônibus para o transporte até as faculdades em Maceió. Estudantes de cursos como Enfermagem, Direito, Engenharia, Educação Física e Ciências Contábeis percorrem cerca de 110 km todos os dias, saindo às 15h30 e chegando quase 1h do outro dia em casa.


Os dados divulgados pela escola que mostram o aumento de universitários são baseados nas solicitações de históricos chancelados pela Secretaria Estadual de Educação. Desde 2012, cerca de 40 ex-alunos da Manoel de Matos estão ingressando, por ano, em algum curso, o que antes não chegava ao número de 10 ou até mesmo a nenhum por ano. Hoje os números são considerados um avanço para o município e tendem a crescer. Em 2015, mais de 150 mundauenses realizaram o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem.


"2010 foi o divisor de águas", afirma diretora Quitéria Calado

Ao falar sobre o crescimento de universitários de Santana do Mundaú, Quitéria Calado, 63, se emociona. As lágrimas são de quem acompanha de perto a realidade da classe estudantil há 35 anos.


A professora lembra que muitos estudantes são de famílias de agricultores, que desde cedo têm que trabalhar para ajudar na renda da família. E que, além da distorção de idade por série, quando os alunos estão no ensino médio após os 18 anos, outro desafio é o nível de aprendizagem que fica a desejar.


“Estudo, determinação e coragem são os ingredientes usados por nossos jovens para enfrentar os grandes desafios até chegar ao ensino superior. Muitos têm, desde antes, a força, a decisão, a certeza do que querem para suas vidas”, revela a professora.


O primeiro médico da Manoel de Matos


Quem vivenciou isso tudo foi o estudante Gleidson Lyra. Ele morava no Sítio Jenipapo e chegava à escola com seus colegas num caminhão pau de arara. As dificuldades do ensino de escola pública fizeram o jovem deixar de lado as diversões para dedicar seis horas de estudos por dia e ainda fazer um curso de dois anos em preparação para o vestibular da Uncisal, Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas.


E deu certo. Gleidson foi o primeiro estudante da Escola Estadual Manoel de Matos a passar no vestibular para o curso de Medicina. “Não consegui dormir direito por uns três dias, porque sempre quando ia deitar passava pela minha mente flashbacks de tudo que vivi antes da aprovação”, recordou.

Gleidson é estudante de Medicina da Uncisal

A emoção do futuro médico também faz parte de um episódio marcante em sua vida. Antes de fazer o vestibular, a sua mãe, que ele a tinha como grande incentivadora em seus estudos, faleceu. “Minha mãe era quem conseguia ver um potencial em mim que eu nunca tinha percebido e por isso era muito apegado a ela”, lembra. “Após sua morte me dediquei ainda mais, pois tinha prometido a ela que seria um médico brilhante”, acrescentou.


Para quem viu de perto o esforço de Gleidson, não esconde a felicidade pela conquista. O pai, o agricultor Manoel Antonio, garante: “ele vai ser um bom médico”. “Tenho muito orgulho porque é menino inteligente e dedicado” expressou Manoel.


Hoje o dia a dia do estudante se resume em estudos. Para cursar Medicina, foi preciso morar em Maceió, longe do pai, e enfrentar problemas financeiros, mas a força de vontade do universitário fala mais alto. “Muitos não acreditavam no que estou vivendo hoje, mas acredito nos meus sonhos e Medicina é meu propósito de vida”, afirmou. “Quero poder mudar o destino de meus pacientes”, ressaltou Gleidson.


Malabarismo entre estudo e trabalho


Acordar às 5h, trabalhar até meio-dia, passar 3 horas na estrada para chegar à faculdade e estar de volta em casa na madrugada após mais 2 horas de viagem. Esta é a rotina de Anne Kelly Fidelis. Com o Enem, a estudante conseguiu uma bolsa de estudos do Prouni e cursa Administração no Centro Universitário Tiradentes, Unit.


Anne leva o conhecimento adquirido em sala de aula para o seu trabalho, numa panificação da própria família. De tanto conviver com o trabalho dos pais, que ganham a renda com o comércio, ela passou a gostar da área de exatas.

Anne Kelly cursa Administração e ajuda os pais em panificação

Além de, literalmente, colocar a mão na massa, Kelly atende os clientes, fecha o caixa e faz compras. Tudo vem sendo facilitado após seu ingresso na faculdade. “Se não fosse o curso de Administração, teríamos que pagar um contador para fazer todo esse trabalho”, lembrou.


O vínculo de trabalho com a família já fez a jovem decidir o seu futuro profissionalmente. Após sua colação de grau, ela não pretende exercer a profissão fora da pequena cidade: “Não tenho nem escolha de sair daqui porque minha família vive do comércio e precisa de mim”.


Os desafios da estrada


Assim como Anne Kelly, outros 50 universitários de Santana do Mundaú não têm alternativa para estudar em Maceió sem o uso do ônibus disponibilizado pela Prefeitura. Durante os cinco dias, os estudantes vão e voltam da capital gastando 25 horas semanais na AL-205 e BR-104.


Para quem não tem condições de residir em Maceió, a única forma de estudar é ter que enfrentar o desafio de viajar todos os dias. Ler, ouvir música, conversar, revisar conteúdo e até tentar cochilar numa poltrona nada confortável. Esta é a rotina dos mundauenses que sonham com a formação profissional.


Egnaldo utiliza ônibus e passa horas até chegar à faculdade

Entretanto, para quem quer chegar lá, todo o esforço vale a pena. É assim que acredita Egnaldo Manoel, que cursa o 2º período de Psicologia na Faculdade Estácio Fal. “É triste esta realidade dos estudantes de Santana do Mundaú, pois saímos em um dia e chegamos no outro, nos arriscando nessas estradas perigosas”, conta. “Mas tudo isso é visando à realização de um sonho e tentar alcançar uma boa qualidade de vida”.


O universitário, que iniciou o curso em 2015 através de uma bolsa do Prouni, lembra dos seus primeiros dias de aula. “Foi muito difícil a mudança de rotina, não por causa dos assuntos acadêmicos, mas sim pelo cansaço da viagem”. Apesar disso, Egnaldo reconhece a importância do transporte e pretende concluir seu curso. “Acredito que todo meu esforço esteja sendo significativo em minha vida e que se todos os dias eu enfrento essa viagem é porque eu quero algo melhor para mim e para minha família”, disse.


A escolha entre tomar banho e jantar para estudar


Quem também tem uma vida corrida é a estudante Rosana Vitorino. Ela foi aprovada no vestibular e iniciou sua vida acadêmica em 2013 na Universidade Estadual de Alagoas, Uneal, em União dos Palmares.


Após 5 anos longe da sala de aula, Rosana se preparou para o vestibular estudando em casa e no curso Pré-Vestibular Solidário da Escola Estadual Manoel de Matos. Obteve êxito no resultado. O sonho de ser professora por formação desde criança ficou mais próximo de ser realizado com o início do curso de Letras na Uneal.


Não era o curso dos sonhos, mas a estudante agarrou a conquista. Rosana já está no 6º período e pretende não parar com a graduação. “Sonhava em cursar Pedagogia, mas, como surgiu a oportunidade de estudar de graça, acabei iniciando Letras, que, por sinal, tem me ajudado bastante no meu trabalho”, conta. “Concluindo este curso, vou cursar Pedagogia”, planeja.


Rosa cursa Letras na Uneal já trabalha com educação infantil

Para se manter e ajudar na renda familiar, a universitária atua como professora do ensino infantil. Pela manhã, as vozes chamando Rosana de “tia” são de crianças de 3 anos que estudam na creche da Escola Municipal Denilma Vilar Bulhões de Barros. À tarde, é a vez de ensinar os pequenos de uma escola particular. Para não perder o ônibus que vai para faculdade, às 18h ela tem que estar no ponto. “Tem dias que tenho que escolher entre o banho e a janta”, explica.


Abrir mão de outras atividades nos finais de semana para trabalhos da faculdade e planejar o material para seus alunos já é normal. Rosana admite que a rotina é cansativa, mas é ciente de seus objetivos. “É difícil e é complicado, mas o jeito é lutar porque sem estas dificuldades nada vou conseguir”, argumenta. “Minha família acha isso uma loucura”, comentou sem perder o bom humor.


Do magistério ao Ensino Superior


Até meados de 2010, eram poucos aqueles de Santana do Mundaú que conseguiam entrar numa universidade federal ou em algum dos diversos cursos de faculdades particulares. Em 2009, sete alunos ingressaram na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) através do Processo Seletivo Simplificado, o PSS.


O município contava com estudantes na Universidade Estadual de Alagoas, Uneal, na cidade vizinha de União dos Palmares e outros raros na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Os mundauenses não tinham muita escolha. Teriam que escolher entre os cursos de Pedagogia, Letras e Geografia. Ao sonhar com o ensino superior, os estudantes já tinham uma certeza: um destino seria a sala de aula. “Não tínhamos escolha, gostando ou não da área o jeito era ser professora”, confessou uma pedagoga.


As dificuldades faziam com que os professores do ensino infantil e parte do ensino fundamental das escolas municipais tivessem apenas o magistério, uma habilitação do ensino médio que permitia tal exercício. Entretanto, a partir da exigência do Ministério da Educação, todos esses professores tiveram que ter uma formação do nível superior.

Patrícia Azevedo faz parte desse grupo de professores. Trabalhando em sala de aula há 18 anos, ela começou a estudar Pedagogia este ano com mais 53 colegas numa faculdade privada. Ela admite que não tinha força de vontade para cursar o ensino superior. Ficou mais difícil ainda após seu casamento e com o nascimento de seus três filhos.


Patrícia Azevedo tinha Magistério e iniciou curso do Ensino Superior

A chegada de uma faculdade no município que oferece aula quinzenalmente foi a oportunidade de Patrícia dar continuidade a sua vida acadêmica. “Eu não tinha condições de estudar em Murici, onde já tinha tentado estudar, muito menos em Maceió, mas agora facilitou e vou concluir”, assegura a professora.


O retorno ao município


Muitos dos estudantes que tem ingressado no mundo acadêmico têm desejo de voltar e atuar na própria cidade natal. Atualmente, o município já conta com profissionais recém-formados. É o caso do fisioterapeuta Ádamy Rodrigo Jerônimo, que concluiu o curso em 2010 na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Uncisal.


Ádamy se formou em Fisioterapia e atua no município

Em 2012 o fisioterapeuta foi contratado pela Secretaria Municipal de Saúde, atendendo seus pacientes num ambiente sem muita estrutura. Mas, de forma dinâmica e atenciosa, ele consegue até arrancar sorrisos daqueles que confiam no seu trabalho.


“É muito gratificante poder voltar a minha cidade natal e ter esse contato com a população, porque foi aqui que formei minha base educacional em escolas públicas, além do meu vínculo familiar e de amizade com os pacientes”, conta o profissional.


Rodrigo espera não ter que morar longe de Santana do Mundaú. Mesmo a sua categoria não tendo um valor fixo para o piso salarial e nem comentando os números de seu salário, ele dá um sorriso e afirma: “dá pra se manter por aqui”.


Para estar hoje numa vida mais tranquila, Ádamy precisou vencer alguns medos e ir em busca de seu sonho. Tudo começou com a preparação para o vestibular. Ele reconhece que o ensino médio numa escola particular acabou facilitando o resultado, mas que foi preciso também estudar muito em casa.


Até concluir o curso, Ádamy morou na casa de uma amiga de sua mãe, dividiu apartamento com colegas e só no último ano do curso a família conseguiu financiar um apartamento na capital. Como na sua época não existia o transporte todos os dias, o estudante convivia com os desafios de se manter em Maceió.


O 1º doutor


Enquanto uns estão na graduação ou já concluíram e estão no mercado de trabalho, há outros que não se contentam com apenas 4 anos de faculdade. Com 27 anos, o agrônomo José Thales Pantaleão defendeu recentemente sua tese e hoje é doutor em Ciência do Solo, o primeiro mundauense a ter o doutorado no currículo.


Neto de agricultores, Thales, desde criança, conviveu com o ambiente rural. E o desejo por cursar agronomia chegou quando seu irmão mais velho estava se tornando técnico em agricultura. Em 2004, aos 17 anos, foi aprovado no vestibular para cursar Agronomia na Universidade Federal de Alagoas.


O primeiro desafio do jovem foi deixar sua família e morar em Maceió. Além do vínculo familiar, foi numa época em que os pais não permitiam que seus filhos fossem para longe, mesmo o motivo sendo o estudo. “Eu só conhecia Santana do Mundaú e União dos Palmares, Maceió já era um mundo desconhecido”, afirma.


Thales não perdeu a oportunidade. Com o maior incentivo de sua mãe, que é professora há 30 anos, o jovem seguiu seu sonho. Foi morar em Maceió com seu tio e pouco tempo depois na Residência Universitária da Ufal: “Minha mãe não tinha medo de que eu saísse logo cedo de casa, sempre buscou acompanhar meus estudos, dando condições para criar asas e voar”.


Não imaginava Thales outros desafios que o esperavam. Em 2009, ele foi aprovado na seleção para mestrado na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Já em 2011, ele recebe a surpreendente notícia: sua aprovação para ingressar na Universidade Federal do Ceará para defender sua tese de doutorado.

Thales defendeu tese e é o primeiro mundauense com o título de doutor

A mãe, Ivaneide Pantaleão Ferreira, reconhece o esforço do filho e se diz orgulhosa pelas suas conquistas. “Foi um menino esforçado e corajoso”, diz. “Faltam palavras para expressar o que nossa família está vivendo, em ter um filho que alcança o primeiro título de doutor da cidade e que vai ser referência para muitos outros que também virão a conquistar”, comemora “Tia Neide”, proprietária da Escolinha Chapeuzinho Vermelho.


Atualmente, o agrônomo, mestre e doutor em Ciências do Solo é professor no Instituto Federal de Alagoas, Ifal, no campus da cidade de Piranhas, no sertão alagoano. Ele aproveita as férias para passar com sua família em Santana do Mundaú e reconhece que sua cidade não teria condições de acolhê-lo profissionalmente.


“Após realizar mestrado e doutorado, acredito que Santana do Mundaú não teria como abrir alguma oportunidade para minha formação, por ser uma cidade com problemas estruturais e hoje com somente 11 mil habitantes”, lembra. “Isso dificulta a instalação de grandes empresas e a formação de um forte comércio que necessitasse de um engenheiro agrônomo com doutorado”, pontuou doutor Thales.


Diplomas nas mãos e à espera de emprego


Nem todos recém-formados conseguiram entrar para o mercado de trabalho. Há 2 anos Maciel Barbosa recebia seu diploma, mas até hoje o assistente social está à procura de emprego.


Ele mora com seus pais e é vereador pelo segundo mandato. Mas isto não estava nos planos de Maciel. “Quando comecei a estudar na Ufal, eu pensava em voltar para Santana do Mundaú e exercer minha profissão, mas infelizmente até hoje não houve oportunidade”, explicou.


Com a situação, Barbosa acabou mudando de idéia. Agora tenta conseguir oportunidades fora da cidade e pretende deixar a vida política para trás. “O nosso município não tem condições de abraçar a todos, então, já estou fazendo concursos e estarei indo para onde tiver portas abertas”, afirmou Maciel.


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